Um dos principais problemas, se não o primordial, que impede qualquer um de perdoar outra pessoa é o próprio conceito de perdão.
Nós crescemos e convivemos com uma ideia de que para perdoar é preciso “dar a outra face“, ou seja, um conceito religioso e utópico que somente dificulta a execução desse processo tão importante que é o perdão. Não que “dar a outra face” seja errado, mas como é uma metáfora, pode ser interpretada de diversas formas e a forma mais comum é a literal, onde realmente nos sentirmos impelidos de dar a outra face para levar o próximo tapa. Questão reforçada por “devemos amar os nossos inimigos“.
Não me leve a mal, não irei falar aqui sobre religião ou coisas do tipo, mas nossa vida está impregnada de conceitos oriundos de muitos meios, o problema é que estes conceitos internalizados não nos são úteis, muitas vezes, como nesta que mencionamos agora.
Entenda aqui que o perdão não tem nada a ver com a outra pessoa, somente conosco mesmos, contudo ele exigirá, além desse entendimento, muita coragem e você vai compreender o motivo.
Nós aprendemos diversas coisas em nossas vidas, sofremos um bombardeio de informações desde nossa concepção e tudo isso estrutura quem somos. Após nossa mente aprender “quem ela é”, por meio dessas crenças e conceitos externos, ela automatiza e executa o programa instalado eternamente, até que seja alterado.
Se, por alguma razão, sua mente aprendeu que deve punir outras pessoas para devolver o sofrimento que lhe foi causado, você pode sentir raiva, mágoa, rancor ou ódio direcionados à elas, por exemplo. Mas não se preocupe, nem se culpe por fazer isso, esse é um processo natural de nossa mente, qualquer um pode aprender isso em seu desenvolvimento, até porque é uma questão de sobrevivência não gostar de quem não nos faz bem, isso nos ajuda a nos distanciar do perigo, o problema é que quando essas pessoas são nossos pais, irmãos, filhos, aí as coisas complicam um pouco e você consegue entender bem a razão, não dá pra simplesmente matar, bater ou se isolar de todo mundo (mesmo havendo pessoas que fazem isso).
Aí logo você percebe que a pessoa não fez por mal, ou que é aquilo mesmo que ela é e não irá mudar, fica remoendo por dentro um sentimento ruim, sabe que precisa resolver, sabe que precisa perdoar essa pessoa, mas se depara com uma ideia inatingível sobre perdão: deixar pra lá, esquecer, conviver com a pessoa como se nada tivesse acontecido, gostar da pessoa do mesmo jeito que antes, se sentindo muito bem consigo mesmo. Isso não é perdão!
Como eu disse antes, o perdão não tem a ver com o outro. Acompanhe o raciocínio: alguém te feriu no passado, isso gerou um sofrimento e você ficou com raiva e mágoa da pessoa que fez isso com você, a pessoa pediu desculpas (ou não) e você disse, da boca pra fora, que “tudo bem”. A pessoa continua a vida dela normalmente e você se mata por dentro todo dia. O que é o perdão de verdade?!
É se livrar desse sentimento de raiva e mágoa de dentro de você! Apenas isso! Você não vai precisar concordar com o que o outro fez, não vai precisar achar bom, não vai precisar começar a pensar que ele fez certo, não vai precisar reproduzir, não vai precisar aceitar, não vai precisar se reaproximar da pessoa, não vai precisar verbalizar para o outro que o perdoa.
Até porque o perdão não tem a ver com palavras, mas com sentimento! E qual sentimento é esse? O de reconhecer que É VOCÊ QUEM ESTÁ CARREGANDO A DOR! É VOCÊ QUEM ESTÁ APRISIONANDO A IMAGEM DA OUTRA PESSOA NA SUA MENTE! É VOCÊ QUE TODO DIA SOFRE!
Entende agora que perdoar tem a ver com reconhecer que o outro só podia fazer aquilo, daquele jeito, naquela época, que doeu muito, mas que VOCÊ NÃO VAI CARREGAR O SOFRIMENTO.
Agora, por que eu disse que isso exigiria coragem de você? Porque você estará muito mais no controle do que precisa ser feito. Talvez você perceba que precisa sim se afastar desse outro, mesmo não tendo mais raiva, mesmo não carregando mais a mágoa, mesmo o perdoando. O que sobra agora é o aprendizado de que você merece mais, de que você pode ter algo melhor na sua vida, de que você já aprendeu com aquilo e não quer mais isso em sua vida.
Será se aí dentro, dificultando você perdoar alguém também não tem algum medo de fazer o que precisa ser feito para deixar de sofrer?
Apenas para ajudar a reformular a interpretação que dificulta o processo de perdão, gosto de observar que a humanidade evoluiu (e continua evoluindo), pois saímos do “olho por olho, dente por dente“, que significava devolver na mesma moeda, fazer com o outro apenas o mesmo que lhe foi feito; o que era uma grande coisa numa época onde se matava por nada, e chegamos ao “dar a outra face” que significa NÃO DEVOLVER A OFENSA, MESMO ATACADO, e não se colocar como capacho ou saco de porrada para está te fazendo mal, mas sim reconhecer que não precisa carregar a dor da ofensa alheia, para que possa viver feliz e livre de qualquer sofrimento que você esteja se impondo.