Conforme vamos crescendo e aprendendo, vamos criando nossa identidade e essa identidade vai criando também o mundo a nosso redor. Vamos criando um contexto onde a nossa identidade é constantemente reforçada e confirmada.
O que você já deve estar cansado de saber, se tem prestado atenção em tudo o que eu escrevi até aqui é que muitas coisas que aprendemos se tornam ruins e inúteis com o passar do tempo.
Acontece é que isso não importa para nossa mente. Pois a partir do momento em que ela aprende e assimila aquilo como uma verdade, ela vai fazer de tudo para que aquilo se confirme em todos os momentos e tempos da nossa vida.
E é sobre isso que quero falar nesse momento. Sobre quais são os 2 fatores existentes em nossa vida atual que travam o processo de qualquer mudança. E quero começar por um dos mais complexos: o sistema.
1. Sistema
Imagine que hoje você está sofrendo com uma depressão e quer resolver esse problema. Cansou de se sentir triste, vazia por dentro e sem esperança de uma vida feliz.
A primeira coisa que precisa se lembrar é que essa depressão é um problema apenas para a mente Consciente, pois lá dentro ela é uma estratégia válida e útil. Como vimos no texto Por Que a Depressão Não é Um Problema – O Que Está Por Trás de Qualquer Sofrimento (https://www.italysfranca.com.br/artigo/porque-a-depressao-nao-e-um-problema-o-que-esta-por-tras-de-qualquer-sofrimento-1)
Depois que você entendeu a parte interna, vamos analisar agora a outra parte igualmente complexa: o meio externo.
Como eu disse no início e em outros momentos, nossa mente faz de tudo para que o aprendizado inicial seja confirmado. Ou seja, se eu aprendi que sou burra, feia e incapaz, minha mente vai focar nisso e criar o contexto ideal para que isso seja cada vez mais uma verdade inquestionável.
Logo, é fácil a gente começar a enxergar tudo a nossa volta como um mundo criado por nós e para nós.
O que isso quer dizer?
Vou te dar um exemplo com uma historinha rápida:
Só pra deixar claro, não importa se ele aprendeu ouvindo isso de outras pessoas, vendo os pais brigarem, com outras pessoas tirando sarro do tamanho das orelhas dele. Não interessa! O que importa foi o que ele acabou assimilando do mundo onde ele vivia na época.
Muito bem, como ele não se achava capaz, não estudava muito e, por isso, dizia que tinha dificuldade (como se ninguém mais tivesse). Tirava notas ruins, não se esforçava, já que não adiantava nada.
Ele cresceu pensando que precisaria roubar ou passar a perna em alguém pra conseguir ganhar muito dinheiro e sair do perrengue que se encontrava, mas como ele era um homem honesto preferia apenas continuar batendo massa para sobreviver.
Ele bebia muito para amenizar a sensação de impotência, brigava e batia na esposa. Ela por sua vez traía ele (razões pessoais de sua identidade, mas ela justificava que era para descontar o que passava com o marido), o que alimentava ainda mais a sensação de uma vida mergulhada no lixo. Mas ele permanecia com ela, já que ele também era errado na história. De certo modo ele sentia que merecia aquilo.
Hoje Joãozinho está viciado em bebida alcoólica, num serviço que não paga bem e num casamento fracassado. E todo esse cenário reforça tudo aquilo que já existia dentro dele, confirmando o que aprendeu há muito tempo em sua vida: ele é um incapaz, pobre e infeliz.
Isso é o sistema. O meio em que a pessoa está inserida, criada por ela mesma para reforçar a identidade criada lá atrás.
Só estamos onde estamos hoje, devido às escolhas que tomamos antes daqui. Escolhas diferentes trarão resultados diferentes. Consequentemente, mudar interpretações do passado, irão exigir uma mudança no presente.
Isso porque onde você está hoje é consequência de todas as interpretações que já teve. Quando você mudar isso dentro de você, talvez várias coisas do seu presente não façam mais sentido e precisem ser mudadas, revisadas.
Imagine uma pessoa com depressão que trabalha num lugar que reforça o sentimento de tristeza, impotência e falta de sentido. Esse trabalho reforça o sintoma, pois ele foi colocado lá, pela pessoa, justamente para isso.
Quando essa pessoa realiza um processo de tratamento para resolver o que está por trás dessa depressão. Quando ela entende e resolver a causa, o que a levou até ali, talvez ela perceba que aquele emprego específico não serve mais para ela. Se ela se mantém naquele ambiente preparado por ela, para ela, para reforçar a depressão, o sintoma pode voltar.
Significa que é necessário mudar TODA a vida? Claro que não. Mas você sabe quais áreas da sua vida estão em desajuste. Quais áreas reforçam o sofrimento dentro de você. Quais pessoas cumprem o papel de colocar lenha na fogueira do medo, culpa, tristeza e vazio que você sente.
Após um processo terapêutico que vai tratar o que te trouxe até o estado de sofrimento, você pode precisar rever e verificar o que ainda quer manter ou aquilo que precisa eliminar de sua vida. Para que você tenha a vida que deseja de verdade no futuro.
2. Ganhos secundários
“Quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança, a pessoa muda” (Sigmund Freud)
Essa frase do pai da psicanálise esconde a resposta para o item que iremos discutir daqui em diante. A pergunta que fica ao lermos essa frase é: “O que faz a dor se tornar maior que o medo?” ou “Por que suportamos a dor até certo momento, mas depois de um tempo estamos dispostos a ultrapassar o medo da mudança?”. O que nos faz suportar a dor? O que torna a dor maior?
Proponho essas perguntas, porque ao responde-las, também vamos chegar ao que seriam os ganhos secundários. Talvez pela palavra “ganho” você já tenha um ideia do que possa se tratar a discussão desse item.
Na clínica eu costumo fazer especialmente uma pergunta para verificar ganhos secundários:
“O que de pior pode acontecer caso você resolva o problema?”
Em todas as vezes eu tenho que repetir a pergunta, pois ela não faz muito sentido de início. Mas imagine o seguinte exemplo, que citei ali em cima, mas que vou detalhar melhor aqui:
Uma professora do primário não gosta do trabalho que tem. Acha que não tem muita facilidade com criança e todos os dias é um martírio ter que ir trabalhar. Seu pai morre, ela começa a apresentar uma depressão e, por consequência, é afastada do serviço.
A primeira coisa que preciso lembrar é que o pai ter morrido não foi a causa da depressão. (Já discutimos isso aqui em Porque a Depressão Não é Um Problema – O que Está Por Trás de Qualquer Sofrimento: https://www.italysfranca.com.br/artigo/porque-a-depressao-nao-e-um-problema-o-que-esta-por-tras-de-qualquer-sofrimento-1)
Depois é preciso observar que algo teoricamente ruim, como a depressão, a afastou de um ambiente extremamente infeliz para ela: as aulas no primário.
Esse é seu ganho secundário. E para que ela possa resolver essa depressão de maneira consistente, é preciso ela resolver essa pendência.
Se você compreendeu bem o item anterior onde falei sobre o Sistema, pode ter observado que talvez esse trabalho seja uma das coisas que contribuem para seu mal estar, que trazem sofrimento a ela. Logo é preciso também considerar que talvez ela não sofra mais com ele após resolver a cadeia interna de sofrimento.
Mesmo assim, é mais provável supor que, por ser preparado por ela mesma para alimentar seu sofrimento, após uma reeducação interna e já livre da necessidade de sofrer, a questão da profissão precise também ser revista.
O problema é que enquanto a pessoa tem a depressão, ela vê isso como a única forma de se manter longe do problema, no caso aqui o trabalho. É preciso ela compreender que existem outras formas de lidar com isso, para se permitir se livrar da depressão em si.
Para ser ainda mais claro: todos os problemas que você reclama de sua vida te trazem algo bom como retorno. É preciso você estar disposta a abrir mão dessas coisas para poder resolver esses problemas.
Não significa que você não terá mais essas coisas boas, mas apenas que terá que conquista-las por outros meios.
Por exemplo: imagine que você tem dificuldade em tomar decisões, que depende de todo mundo para escolher o que vai fazer, o que vai vestir, tem medo de fazer o que precisa fazer.
Um bom benefício disso é simplesmente não assumir a responsabilidade por nada. Ficar de boa enquanto as outras pessoas dizem o que você deve fazer e, caso não dê certo, não foi você quem escolheu.
Você não consegue se decidir com o que trabalhar ou qual faculdade fazer, enquanto isso fica tranquila em casa apenas vendo séries, jogando no celular e vendo suas redes sociais.
Não me entenda mal, não estou dizendo que não existe sofrimento. Estou dizendo que também existem benefícios e você consegue, com um pouco de reflexão, identifica-los. Pare e pense um pouco agora.
O que de bom você tem que, talvez, possa ter relação com o problema que deseja resolver?
Será que alguma coisa que você aprecia é vista como uma consequência do seu problema?
Sofrer por se sentir incapaz e infeliz é ruim, mas ter pessoas o tempo todo se preocupando e perguntando como você está é bom.
Não se sentir dona da sua vida, sem poder escolher o que fazer é ruim, mas não ter que assumir a responsabilidade de tomar atitude e talvez dar errado e se frustrar lá na frente é bom.
Novamente reforço, não estou dizendo que você gosta de ter esse problema e faz de propósito (apesar de algumas pessoas se aproveitarem disso conscientemente), estou dizendo que nossos problemas também tem anexo coisas boas, que precisamos estar dispostos a deixar pra lá ou conseguir por outros meios, para conseguir resolver.
Tudo de bom que você tem na sua vida pode se tornar ainda melhor sem esse sofrimento. Mas não depende de ninguém mais se não de você mesma. É possível, você é capaz de conseguir isso! Eu acredito em você.